domingo, 21 de agosto de 2011

O nascimento da didática

Fichamento do texto “ Corpos dóceis, Mentes Vazias, Corações Frios” da Autora Ierecê Rego Beltrão.




“A didática nasceu para a sociedade moderna na transição do século XVI para XVII. Tal época representou a burguesia enquanto classe emrergente. É o período das monarquias absolutistas, da formação dos eEstados nacionais, do fortalecimento do poder do rei.

É nesse contexto que surfe a Didactica Magna (1657), escrita pelo pastor luterano Comênio(1592-1671).

A pedagogia de ComÊnio pertencia a um mundo onde a produção era manufatureira, a burguesia necessitava formar o cidadão, prepar as elites para o avanço tecnológico ao mesmo tempo difundir sua visão de mundo às camadas populares.

Era preciso uma escola edificiente que realmente capacitasse a burguesia, uma escola que garantisse, pelo menos às elites, a aquisição do saber gerado pelas gerações passadas.”(p. 36)

“A disciplina inaugura o tempo de um novo olhar, ou um olhar para novos objetivos: o olhar às insignificâncias,, às coisas pequenas, ao detalhe.

Uma observação minunciosa do detalhe, e ao mesmo tempo um enfoque político dessas pequenas coisas, para controle e utilização dos homens, sobem através da era clássica, levando consigo todo um conjunto de técnicas, todo um corpo de processos e de saber, de descrições, de receitas e dados.

É a partit desse entedimento de poder e desses mecanismos disciplinares que se pode constituir uma outra história, uma genealogia da Pedagogia e da Didática, trazendo até o presente, até o mais cotidiano dos gestos educativos atuais o seu passado constitutivo, que nos enlaça e nos forma ainda hoje.” (p.38-39)

O poder disciplinar é uma sujeição e um trabalho que exercem sobre os corpos e os priduzem não só para que façam o que se quer, mas principalmente, para que funcionem como se quer, a partir das disciplinas.

A escola, tomada aqui como o local onde se reealiza o trabalho pedagógico, é um desses suportes institucionais de poder( junto com os orfanatos, os asilos, os quartéis, as fábricas, os hospitais e as prisões, por exemplo), que mantém entre si relações de continuidade e de reciprocidade.

Na escola , o poder disciplinar funciona através de técnicas e mecanismos que visam dar uma ordem à multiplicidade difusa, confusa, dos grandes coletivos que ela abriga e administra.

O poder disciplinar da escola realiza a distribuição ordenada dos indivíduos no espaço físico em que se encontram. A distribuição se faz com táticas combinadas:

- a delimitação do espaço físico, o quadriculamento do espaço interno da escola, as localizações funcionais, a disposição em fila.” (p.40-41)

“Os alunos são classificados pelo resultado de cada tarefa e de cada prova em cada matéria ou disciplina, de semana em semana, de bimestre em bimestre, de ano em ano, de grau em grau.

As salas de aula são dispoostas, no espaço-escola, umas depois das outras; os assuntos são ordenados segundo uma ordem crescente de dificuldades, o mesmo acontecendo com as disciplinas que compõem a “grade” curricular de cada grau e curso. A escola passa a ser um espaço disciplinar do ensinar vigiando, hierarquizando, punindo e recompensando .” (p.42)

“ A chamada pelo nome é individualização, entretanto não se está falando de sujeitos de direito, está se falando de indivíduos fabricdos por uma tecnologia de poder que usa a chamada, que usa o fato de os corpos estarem presentes ou ausentes para esquadrinhar os espaços de deslocamentos e de fixação dos indivíduos.

É exatamente a identidade individual a maior fabricação das disciplinas: um nome, uma classe, um sexo, uma idade, uma peculiaridade, um talento, uma profissão, um lugar de morar, um pertecimento afetivo- são esses os materiais de que o poder se sercve para sujeitar, isto é, para fazer , de cada um, um sujeito.

O poder disciplinar realiza também, a distribuição ordenada das atividades dos indivíduos num tempo controlável, novamente diferentes técnicas se combinam:

- o horário, a elaboração temporal do ato, a utilização exaustiva do tempo”. (p. 44-15)

“O dia escolar não é um dia, mas um turno (manhã, tarde ou noite). A aula não é um dia escolar mas uma hora-aula. Nem a hora-aula tem a duração da hora-relógio (60minutos) mas é estabelicida para ela uma duração legal: 45 ou 50 minutos.

Busca-se não mais uma duração em que caibam um aprendizado, uma formação, e sim um aprendizado, uma formação que caibam numa duração.” (p.46)

“A organização das gêneses permite que o poder se exerça sobre os indivíduos através de um controle minucioso de usas operações e de uma intervenção pontual nelas e neles, a cada momento e em qualquer momento( diferenciando, corrigindo, punindo, eliminando); através de uma caracterização e , a partir dela, de uma possível utilização dos indivíduos de acordo dcom o nível que alcançam nas séries que percorrem.

A disciplina torna-se a técnica de transformar as forças isoladas em uma força coletiva capaz de pôr em funcionamento uma máquina eficiente”. (p.48-49)

“Nesse sentido, a escola é uma máquina de ensinar e de aprender, em que cada iundivíduo, cada nível e cada movimento, se articulados de modo correto, podem ser permanentemente utlilizados no processo geral de escolarizar.

Os indivíduos mantêm a máquina escola funcionando pela combinação otimizada de suas diferenças úteis.

A escola máquina disciplinar de engrenagens cuidadosamente articuladas, se estrutura e funciona graças às suas coerções permanentes, aos seus treinamentos progressivos e à sua docilização automatizada.” (p.50-51)

“Na sala de aula, ensino e vigilância hierárquica não se antagonizam nem se compõem paralelamente : se identificam.

Os procedimentos do professor encontram-se integrados num mesmo dispositivo didático-disciplinar: ensinar de modo a alcançar uma aprendizafem através da utilização de exercícios e da observação atenta, a orientação precisa, a correção imediata da execução dos exercícios e do comportamento que acompanha essa execução.” (p.53)

“Não há como educar, na escola, sem o exercício e sem o vigiar/examinar e o punir/preminar. Exercício e vigilância punitiva são o suporte da escolarização.” (p.54)

“Mas se a máquina-escola, opera por vigilâncias permanentes, opera também por constantes penalizações dos mínimos atos considerados por ela infração. Tudo é passível de entrar na rede do penalizável: o uso indevido do tempo, a realização imprópria do trablaho, o incorreto modo de agir, a fala inoportuna e o inatisfatório referido ao corpo.” (p. 56)

“O objeto da punição escolar é a inobservância das leis que regulam o cotidiano, o desvio da norma, a inadequação ao modelo, o afastamento do considerado como padrão, os regulamentos operam fixando prazos e padrões de aprendizagem que devem ser obedecidos e sua inobservância exige castigos específicos.

Fala-se de um castigo cuja função específica é reduzir os desvios da norma, diminuir a distância entre o real e o modelo, corrigir é repetir inúmeras vezes a mesma atividade, refazer o mesmo caminho em cada detalhe do percurso.

O castigo disciplinar visa produzi menos a culpabilização e o arrependimento e mais a conformidade, a adequação do comportamento ao modelo escolhido como padrão.” (p.58)

“A escola é uma máquina que ensina, mas também que examina. É esse exame acompanha do início ao fim todo o processo do ensino escolar: uma incansável e permanente comparação se faz dos alunos entre si ( de cada um consigo mesmo e com os demais.)

O cotidiano da escola, é preenchiudo por exercícios que funcionam como testes, atividades, provas, trabalhos, e que analisam, medem, comparam, classificam, diferenciam, agrupam, separam, caracterizam, redistribuem os alunos.

A pedagogia, discurso sobre a educação, é, portanto enquanto uum saber “que funciona como ciência”, um dos efeitos da tecnologia do poder disciplinar, e essa mesma tecnologia constitui a escola como visibilidade. “ (p.60-61)

“As pesquisar se aperfeiçoam, se sofisticam: de quantitativas passam a qualitativas, dando ao “escolar” e ao “pedagógico” a profundidade mesma de seu olhar, a complexidade mesma de seu dizer.

Entretanto, a questão fundamental sequer é tocada, exatamente porque ela não gira em torno de dicotomias ou precedências, mas em torno dos mecanismos de poder que tornaram possível os saberes sobre a educação, por um lado sustentando a Pedagogia como um discurso que se pretende com estatuto de verdade científica e, por outro, sustendando a escola como máquina.” (p.62-63)

“Em cada formação histórica, em cada sociedade historicamente situada, existem relações de poder ou de forças, essas relações só são conhecidas quando tomam forma, quando se atualizam, integrando-se e diferenciando-se em duas formas: o visível ( a máquina) e o enunciável (o discurso).

O entrelaçamento entre as formaçoes discursivas e as formações não-discursivas, entre as “palavras” e as “coisas” entre regimes de linguagem e de luz, é chamado de saber.

As sociedades modernas são sociedades disciplinares ( nesse sentido é que ainda somos modernos) “ (p.64)

“ Dentro desse contexto, junto com outras “disciplinas”, constitui-se a Pedagogia- uma forma de saber que “funciona como ciência”. Dentro desse contexto também, junto com outros enclausuramentos disciplinares educativos, surge a escola, - uma forma de saber que funciona como máquina. Escola e Pedagogia são as novas formas de saber que um diagrama disciplinar de poder produz como verdade institucional em torno da relação entre os corpos e a educação.” (p. 67)

“ A Pedagogia “ciência “ produz discursos sobre a educação independentes da escola.

Administrando os corpos, a escola, por sua vez, possui uma certa autonimia, um suplemento disciplinar em relação à Pedagogia, necessários e expressor pelos seus regulamentos, pelas suas regras arbitrárias de conduta, pelas “violências injustificadas” dos professores ou pelo autoritarismo de sua gestão que se originam do fato, não de a escola “trair” a Pedagogia, ou de ser ela incapaz de ligar à sua prática a teoria pedagógica, mas sim do fato de que se pede à escola, não que eduque, mas que seja útil.

A máquina- escola, á sua maneira, também afirma: “Isso (o meu procedimento, o que faço) não é Pedagogia. “ (p.69)

“ Na sala de aula, os corpos dos aluinos da Pedagogia se submetem , mas têm limites.

As “caras”, as “cabeças”, os “corpos” resistem como podem a utilização do tempo que lhes é imposta.” (p.73)

“A leitura que o aluno realiza , porque é obrigatória, é mecânica, feita apensas para cumprir uma ordem da qual ele desconhece a razão e intenção. Essa leitura mecânica não é a que os professores querem. Por isso os professores afirmam que os alunos não leêm.

Ler por obrigação é ler demais, porque a leitura não-escolhida, feita a despeito dos espaços da vida, do desejo, da urgência, da curiosidade é um excesso, uma inutilidade, um desperdício.

E ler por obrigação tembém é não ler, a leitura não-escolhida, feita sem gosto, não vincula o leitor ao texto, não seduz seu pensamento, impossobilitando a reflexão. “ (p.74)

“ A Pedagogia-discurso encuncia sobre a educação; a Pedagogia-curso confina os corpos e os adestra. O composto fabrica indivíduos razoavelmente úteis, habitualmente submissos, mas indisfarçavelmente exautos. É o diagrama do poder disciplinar operando. São os corpos resistindo como podem.” (p.76)

“Os discursos dos professores em torno do “ser avaliado pelos alunos semestralmente” questionam a origem do procedimento ( avaliação do professor pelo aluno) e do instrumento que abrange do plano de ensino às provas), isto é, quem os pensou e od elaborou.

Outros aspectos por trás do procedimento e do instrumento, os critérios de avaliação utilizados, a forma como os alunos responderão ao questionário (resposta anônima, ao final do semestre, de modo que a não- identificação do respondente garanta a este a impossibilidade de “revide” do professor considerado “ deficiente”.

Avaliação do desempenho docente, não fala da educação, mas de corpos ( corpos docente e corpo discente, corpos de indivíduos, alunos e professores).

Nesse sentido, a Avaliação não é um aprimoramento do processo ensino- aprendizagem, como se pretende apresentar . “ (p. 78-79)

“Por trás da ideia do “ser sujeito” existe a teoria da consciência, da alienação, da ideologia e da repressão. E enquanto se estiver enfrentando a fabricação de subjetividade, pensando que se está lidando com consciências ingênuas, alienadas pela ideologia e sufocadas pela repressão, consciÊncias às quais è preciso libertar, estaremos, tal como numa armadilha, fazendo o jogo da máquina.

É benéfica à máquina essa crença, já que ela (escola ou universidade), apoiada pelo discurso da Pedagogia.

É curioso observar como, as teorias que afirmam a primazia do sujeito coletivo na condução da História, desacreditam, em situações práticas, na capacidade desse sujeito.” ( p.84)

“A pedagogia( curso e discurso), em nome da História ( a passada, a estudar, e a futura, a preparar ), condena a memória e a experiência ao apagamento, para que o presente real não possa ser pensado.

Assim, a “interioridade” tem de ser “esvaziada”, para que se possam inserir nela os grandes “textos”, para transformá-la em “consciência”. (p. 87)

“Questionar a escola como o espaço autorizado para o educar, questionar a Pedagogia como o discurso autorizado sobre o educar, não pe outra coisa senão pensar a educação de um modo diferente do que, até hoje, ela tem sido pensada.

A resistência evoca a memória para se constituir, mas, por vezes, busc suporte na História e se instrumentaliza melhor. Assim, a resistência re-cria o desejo e produz artefatos, saberes, modos de ser. “ (p.89)



Referência

BELTRÃO, REGO. Ierecê. Corpos dóceis, mentes vazias, Corações Frios. São Paulo- SP, Editora Imaginária, 2000.

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